segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Um conto de uma noite...

Em plena madrugada, na recôndita solidão do meu quarto, a insônia me abate. Pensamentos, sensações, desejos...

Minha atenção e energias se voltam a interesses outros...

O relógio em cima da estante "bipa" anunciando mais uma hora. Cada segundo escoa mas, o que isso importa?!

Minha atenção e energias se voltam a interesses outros...

Um delicioso e magnífico suplício toma conta da minha razão. As imagens navegam em minha consciência como uma nau a deriva em um mar revolto... Tento me controlar! Ligo a TV... Vasculho os canais... Finalmente encontro um programa. Um antigo filme de faroeste. Droga! Mais índios mortos! O bem e o mal, o branco e o índio! Hipócritas! Ou será cristãos???

Fico irritado! Desligo o aparelho. O relógio bipa novamente... Céus, daqui a quatro horas terei que estar no ônibus para a Central com um bando de zumbis exalando fétidos odores! São brasileiros, são trabalhadores, são gado! Enfileiram-se rumo ao ônibus para o pão e para a riqueza do patrão...

Volto à realidade!

Tenho que dormir! Permito-me quedar o corpo no leito e fecho os olhos...

Viro e reviro... Ah, estou suando, meus músculos tremem...

De súbito me levanto!

- Vou lá fora tomar um pouco de ar - pondero.

Abro a porta do meu quarto que dá para uma cobertura recentemente construída e depois transformada em uma varandinha. À esquerda da minha porta tem a casa da minha irmã. A minha frente temos a porta da cozinha da casa principal. Ao lado direito desta, tem um portão de ferro com detalhes em sol e pintado em preto. Este, dá acesso ao quintal frontal da propriedade.

Vagarosamente, com a chave a mão, abro a fechadura. Dirijo-me até o extremo frontal direito do piso cimentado que nos serve de quintal. Deito minhas costas nuas sobre a toalha que trouxe comigo...

Contemplo as estrelas... Contemplo a lua...

O frenesi do meu corpo só faz aumentar!... Minha atenção e energias se volt... Pow!!! Mosquitos! Uma nuvem de mosquitos, nuvem, não! Legião! Estou sendo covardemente atacado! Não sou Dom Quixote! Não luto uma batalha inútil e, por isso, abandono o território aos inimigos!

- MEU REINO POR UMA APLICAÇÃO SOCIAL DOS MEUS IMPOSTOS!!! CANALHAS, CANALHAS, CANALHAS!!! CADÊ O FUMACÊ?! - Brado inutilmente!

Os mosquitos riem de mim!

Volto para a cama. Três e quarenta e sete...

Tenho que dormir... Dispo-me. Fecho os olhos...

Vejo uma mulher... Mulher, não! Diva! A mais bela de todas! Beleza esta que despertaria a ira de Afrodite!...

Aproximo-me... Toco-lhe os cabelos... Ela sorri!... Respeitosamente minha boca vai de encontro a sua... De seus lábios sorvo o mais puro dos néctares... O mais forte dos afrodisíacos...

Recuo! Temo maculá-la! Num gesto de virginal pureza ela baixa a face em incandescente rubor!

Meus olhos buscam o seu corpo... Minha audição, a sua voz e o meu olfato os eflúvios que haurem do templo de a sua alma...

Percebo então que estamos em um lindo jardim. Há muitos pássaros, um belo sol, um lindo riacho cristalino e muitas, muitas, muitas flores! Sou invadido por tulipas, begônias, crisântemos, gardênias... Mas, nenhuma é mais bela que a visão de uma Rosa...

Ela me olha. Sorri. Estende os braços. Retiro os véus que a recobrem...

Nos deitamos por sobre as flores...

Ela me sussurra doces promessas aos ouvidos... Nada mais sou capaz de escutar... Nada mais me importa... Imperam os sentidos e a eles me submeto!

E então, todas as forças da natureza se acumulam em meu peito! Como um dique que cede ante a potência das águas, explodo!!!...

... Uma única palavra me escapa pelos lábios... Um nome... Seu nome...

A cruel realidade reassume as rédeas da minha mente. Em plena madrugada, na recôntida solidão do meu quarto, a solidão já não me abate...

Exausto contudo, satisfeito, me entrego aos cuidados de Morpheus!...

Agosto de 1997.